08 outubro 2010

Oliver Stone: "O dinheiro ainda é sexy"

Diretor conta o que aprendeu ao estudar a crise financeira americana para filmar “Wall Street – O dinheiro nunca dorme”

QUEM É
Nasceu em Nova York, em 15 de setembro de 1946

O QUE FEZ
Ganhou dois prêmios Oscar de Melhor Diretor pelos filmes Platoon (1986) e Nascido em 4 de julho (1989)

O QUE FARÁ
Finaliza a minissérie The secret history of America (A história secreta da América), para a rede Showtime, em que pretende contextualizar a vida de figuras como Hitler e Stálin, assim como personagens desconhecidos que tiveram impacto na história

ÉPOCA – Por que Gordon Gekko ainda fascina, 23 anos mais tarde?
Oliver Stone –
O dinheiro ainda é sexy. Nunca pensei em fazer Wall Street como um documentário. Não queria atacar o sistema explicitamente. Mas o que acontece no mercado financeiro é ultrajante. Você tem de rir disso tudo. Existe agora uma internacionalização dos derivados de crédito, sendo os CDS (credit default swaps, um instrumento financeiro) uma forma de ganhar dinheiro a partir da dívida alheia. É pura usura, apesar de Wall Street não querer usar esse termo. As pessoas fizeram fortunas vendendo o pior tipo de dívida tóxica. Michael Milken, nos anos 80, chamou isso de junk bonds. Uma pergunta válida hoje é: seria Wall Street uma máquina que nos guia para a destruição?

ÉPOCA – E qual seria sua resposta?
Stone –
A prática do débito foi tão incentivada nos últimos anos que encorajou um tipo de consumo errado. O consumismo ficou tão desenfreado que impacta o controle climático mundial.

ÉPOCA – O que mais mudou em Wall Street nesse quarto de século?
Stone –
Wall Street opera com mentalidade de cassino. Ficou menos humana. Hoje é tudo computadorizado. O conceito de estupro e pilhagem monetária foi redefinido. Cerca de 40% do lucro das empresas vem de serviços financeiros. Pense neste exemplo: você tem uma companhia de copos, com 1.000 funcionários, e sua empresa funciona há quase 50 anos. Até você vendê-la sob a promessa de injetar mais capital (com o dinheiro das ações negociadas na Bolsa). Você acaba em Wall Street. Talvez sua empresa seja vendida mais cinco, seis vezes. Nessas transações, financistas injetam mais débito em sua empresa. Quando sua companhia está sendo vendida pela terceira vez, você já está metido em tantas dívidas que a solução é se desfazer do negócio. Os funcionários são demitidos, sua empresa é comprada pela China. Tudo isso já era ruim em 1987, quando fiz o primeiro Wall Street, mas nada se compara com agora. Um dos personagens diz: “O motor do capitalismo é Wall Street”. Wall Street foi criada para estimular o surgimento de empresas, criar pesquisas e incentivar a produção. Isso não existe mais.

ÉPOCA – Como o senhor fez a pesquisa para o filme?
Stone –
Encontrei várias pessoas. Falei com (o economista Nouriel) Roubini, que faz uma participação no filme. Shia (LaBeouf, um dos atores) foi ouvir uma palestra dele e trocaram figurinhas. Encontrei-me com (o megainvestidor) George Soros no balneário dos Hamptons. Eliot Spitzer (ex-governador de Nova York, que renunciou após um escândalo sexual) foi de grande valia ao projeto, pois ele havia investigado o (banco de investimentos) Goldman Sachs e até a (seguradora) AIG, quando advogado-geral do Estado. Ele foi um dos primeiros a detectar problemas com essas companhias. Apresentei Shia à (corretora) Schottenfeld. Por ironia, quando começamos a rodar o filme, três corretores de lá foram presos por troca de informação privilegiada. Josh Brolin (que interpreta um financista) fez uma pesquisa intensa, encontrando desde (o investidor) Donald Trump a tubarões de fundos hedge, e Carey Mulligan teve encontros importantes para o papel dela com o pessoal da Moveon.org.

ÉPOCA – Seu pai trabalhou em Wall Street, como corretor, dos anos 30 aos anos 70.
Stone –
Meu pai era um homem honesto. Vale lembrar que mesmo a Wall Street atual não é um antro apenas de malfeitores. Ainda temos gente honesta por lá. Meu pai trabalhou até o dia em que morreu. Hoje só espécies raras trabalham até morrer. Geralmente você abandona Wall Street depois de dez, 15 anos, principalmente agora, quando os algoritmos que eles criam fazem de Wall Street um lugar mais e mais impessoal. É um jogo para jovens estatísticos, ou os quants, como são chamados esses analistas quantitativos. É triste ver que o elemento humano desapareceu do mercado.

ÉPOCA – O que seu pai acharia da regulação de mercado criada pela administração de Barack Obama?
Stone – Meu pai sempre foi contra a regulação do mercado. Foi republicano até o fim. Mas era o que chamo de republicano responsável. Acreditava em valores conservadores. O movimento conservador mudou de rumo com Ronald Reagan. Reagan jogou o orçamento nacional pela janela. Prometia fazer um governo pequeno, mas criou um dos maiores governos de todos os tempos, assim como George W. Bush.

ÉPOCA – Como corrigir os excessos praticados pelo sistema bancário?
Stone – Teríamos de fazer uma divisão entre os bancos de investimentos e os bancos comerciais. De acordo com essas leis, o Goldman Sachs ainda é um banco comercial. Não posso depositar meu cheque no Goldman Sachs, mas eles podem receber dinheiro barato do governo. Ninguém nos Estados Unidos ganha dinheiro com os bancos, com os juros de 1% que eles estão cobrando. O sistema bancário nos deixou na mão. As ilegalidades praticadas por Gordon Gekko no final dos anos 80 hoje se tornaram legítimas.

ÉPOCA – O senhor foi afetado pela crise?
Stone – Sim, levei uma cacetada. Mas invisto conservadoramente, então a cacetada foi em escala menor. É uma pena que tanta gente tenha sentido isso em grande escala.

ÉPOCA – Em seus encontros com Fidel Castro e Hugo Chávez, o que eles disseram sobre o sistema financeiro americano?
Stone – Quando falamos sobre meus filmes, eles só estavam interessados em discutir Platoon, Nascido em 4 de julho e JFK. Eles veem Wall Street como uma instituição gananciosa e decadente. E, francamente, você não pode discordar.

ÉPOCA – O senhor é socialista?
Stone – Creio no socialismo, mas é difícil ser instaurado nos Estados Unidos. Criamos uma besta moderna: Wall Street. O volume da venda de ações é alto por causa dos computadores e da tecnologia. Hoje você se inscreve nesses fundos, e eles distribuem seu dinheiro em todo tipo de investimento. É impossível separar as boas ações das más ações. Comparada ao tamanho e ao volume de negócios de hoje, a Wall Street antiga era um lugar onde se fazia artesanato de luxo com seu dinheiro.

ÉPOCA – É possível antever uma nova crise financeira como a de 2008?
Stone – Eu presenciei quatro bolhas especulativas em minha vida. Vi a bolha econômica dos anos 60, a bolha da Guerra do Vietnã, que criou uma falsa economia no país. Vi a bolha dos anos 80, com Reagan. A da tecnologia nos anos 90 e a bolha imobiliária em 2000. O que virá em seguida? Como Gordon Gekko brinca no novo Wall Street: “Talvez a próxima bolha seja a verde”.

Fonte: Revista Época

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