Trama pode ser considerada uma das melhores paródias do gênero folhetim
Revendo uma das cenas
Quem diria que um remake poderia causar tanto rebuliço quanto Ti-ti-ti? Nas mãos de Maria Adelaide Amaral, a história original de Cassiano Gabus Mendes ganhou proporções inimagináveis, tanto no desenvolvimento do enredo, devidamente atualizado e com novas histórias paralelas, quanto no sucesso de público — em alguns dias, chegou a alcançar audiência maior que a novela das nove, Insensato coração. E, mais do que isso, "Ti-ti-ti" tem tudo para ocupar lugar privilegiado na história da teledramaturgia. A esta altura — o último capítulo da novela ainda será exibido amanhã —, isso pode parecer exagero. Mas, no futuro, a "Ti-ti-ti" de Maria Adelaide será certamente lembrada, pelo menos, como uma das melhores paródias já feitas ao próprio gênero.
A certa altura, Jaqueline (Claudia Raia) perde a paciência com Thales (Armando Babaioff), que vive um dilema em relação à própria sexualidade. “Enquanto você fica trancado em seu closet, tem gente vivendo uma vida de verdade aqui fora”, diz ela. “Mas o que é que eu faço?”, ele pergunta desesperado. E Jaqueline: “Ora, faz como Laurinha Figueiroa, se joga!”. Quem assistiu a Rainha da sucata (1990) sabe que ela está falando da vilã interpretada por Glória Menezes, que no último capítulo se jogava do alto de um edifício. "Ti-ti-ti" abusou de citações como essa. A mesma Jaqueline xingou várias vezes Suzana (Malu Mader) de “sua fera radical”, referindo-se a "Fera radical", novela estrelada por Malu em 1988.
Em muitos momentos, a metalinguagem surgia como um deboche à própria trama. Ariclenes (Murilo Benício) diz: “Prefiro terminar essa novela na sarjeta a fazer acordo com essa cacatua”. Em outra cena, um personagem exclama: “Mas isso parece romance de novela das sete!”. Os atores pareciam se divertir em cena e a brincadeira sobrava para o telespectador, que respondia com gargalhadas do sofá. E foi assim, entre gargalhadas e muito bom humor, que Maria Adelaide e seu time de colaboradores conseguiram algumas inovações que também contribuirão e muito para colocar "Ti-ti-ti" em evidência quando pensarmos futuramente na evolução do gênero novela.
Uma delas foi o tratamento dado à questão da homossexualidade, que deixou a ver navios os que ainda se angustiam com a liberação ou não do “beijo gay” na tevê. Os autores foram mais longe e mostraram as relações amorosas entre pessoas do mesmo sexo com uma naturalidade jamais vista nas telenovelas. Até mesmo os conflitos de Thales em sair do armário eram pontuados com humor — como se percebe no diálogo entre ele e Jaqueline citado acima. Mais do que beijo, sentimentos foram expostos com notável sinceridade por todos os atores envolvidos. Os diálogos entre Julinho (André Arteche) e a resistente Bruna (Giulia Gam), na primeira fase da trama, fizeram mais pela visibilidade gay do que uma dúzia de beijos que pudessem ser exibidos.
Outro aspecto em que "Ti-ti-ti" se mostrou moderninha foi na dessacralização do ato sexual como algo a ser guardado para o ser amado. Todo mundo torcia para que Marcela (Ísis Valverde) voltasse para Edgar (Caio Castro), o que não a impediu de, na tentativa de dissipar sua dúvida entre Edgar e Renato (Guilherme Winter), ir para a cama com o segundo. Em uma novela, digamos, mais quadrada, a heroína teria resistido bravamente à tentação e, vencidos os percalços, voltado “pura” para o amado. O mesmo se deu entre Jorgito (Rafael Cardoso) e Desirée (Mayana Neiva), já que o rapaz acabou se entregando aos encantos da dissimulada Stéphany (Sophie Charlotte). Duvido que algum telespectador mais conservador preferisse que isso não acontecesse, em ambos os casos.
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